domingo, 12 de abril de 2009

єиѕαισ ѕσвяє α cєgυєιяα


“Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento [...]. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.” – José Saramargo sobre o livro.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Diretor: Fernando Meirelles
Produtor: Andrea Ribeiro/Niv Fichman/Sonoko Sakai
Distribuidora: Fox Filmes
Ano: 2008
Gênero: Drama

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Adaptação do premiado livro escrito por José Saramago, mostra uma inexplicável epidemia chamada de "cegueira branca", já que as pessoas atingidas apenas passam a ver uma superfície leitosa, a doença surge inicialmente em um homem no trânsito e, pouco a pouco, se espalha pelo país. À medida que os afetados são colocados em quarentena e os serviços oferecidos pelo estado começam a falhar as pessoas passam a lutar por suas necessidades básicas, expondo seus instintos primários. Nesta situação a única pessoa que ainda consegue enxergar é a mulher de um médico (Julianne Moore), que juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida.
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COMENTÁRIOS
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Com a sinopse acima, é bem difícil comentar qualquer coisa sem estragar nenhuma parte do filme. Comecemos, então, pela parte técnica.
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Filmado quase 80% em um manicômio abandonado, Ensaio é um filme que sabe utilizar muito bem os reflexos, planos abertos, filmagens por trás de grades e barras e câmeras jogadas e penduradas em qualquer lugar. Todos esses fatores levam ao espectador um clima de apreensão, desleixo e angústia, conseguindo, assim, provocá-lo ao extremo.
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A fotografia é praticamente incolor, aproximando-se do tom de branco constantemente. A trilha incidental é escassa, mas extremamente coerente com todos os momentos em que está presente. A filmagem, com poucos momentos de exceção da câmera que narra a história, não é considerada muito importante e pega quadros que qualquer outro diretor de cinema abominaria. Rostos e outras partes do corpo dos personagens são cortadas pela metade e em vários momentos a imagem é desfocada propositalmente. O cenário é imundo e sombrio. Ao fim, tudo contribui para angustiar o espectador e, no caso dos mais fracos, até mesmo chocar. As atuações estão excelentes, com exceção de Mark Ruffalo, que parece esperar seu personagem ficar cego para poder interpretá-lo coerentemente. Com certeza, a atuação de Julianne Moore foi a melhor de sua carreira; nos fez rir (em pouquíssimos momentos), vibrar e, principalmente, nos fez sentir sua dor em todas as cenas em que está presente.
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Sobre os personagens. Nem todos são desenvolvidos por completo, mas até o ponto suficiente para que nos importemos com o destino de cada um. Um fato curioso (e cruel) é o de personagem algum ter nome, sendo todos reconhecidos apenas por suas profissões ou ligação sentimental, sugerindo-nos que, no momento em que aqueles indivíduos perderam a visão, perderam também sua identidade.
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O espectador é tratado como um voyeur e representado pela Mulher do Médico. Constantemente, cenas de violência, perturbação e pressão são expostas às nossas vistas com o intuito de nos provocar. Tem-se aí o exemplo da nudez, muito bem utilizado, onde é impossível que nós, mesmo sabendo que tudo aquilo é ficção, observemos a intimidade de um personagem sem sentir o mínimo de constrangimento.
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A visão ali é uma metáfora para tudo aquilo que nos torna humanos e, conseqüentemente, maus: o pré-julgamento, a insensibilidade, a indiferença e a falsidade. É justamente quando os personagens – que, na verdade, representam todos nós – perdem a visão que começam a ver como são (se preferir: como somos) de verdade: sujos, cruéis, egoístas e animalescos, mas que, precisando conviver e aceitar nossa relação de dependência para com os outros, controlamos nossos impulsos e nos abrimos a possibilidades como o amor e tolerância. É no estado (no caso, de cegueira) em que somos todos realmente iguais que podemos nos encontrar inteira e interiormente, para aí, corrigirmo-nos e tornarmo-nos seres políticos. Tudo isso pode ser resumido à frase de Saramargo: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”
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Cada mínimo segundo do filme é essencial para o entendimento da história. Cada cena é especialmente significativa. Ensaio é o filme que deixa a garganta apertada, que nos faz segurar o choro como uma criança envergonhada, que nos provoca, nos humilha sem medo de nossa reação, nos testa, e que não tem medo de mostrar o quanto nós, humanos, somos cruéis e repulsivos. Ensaio é o filme mais angustiante, deprimente, claustrofóbico e corajoso ao qual já assisti, sem, contudo, esquecer o que o torna tão assustador: o fato de, bem lá no fundo, ser real.
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“Metade de nós é feita de indiferença e a outra metade, ruindade.” – José Saramargo.
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Nota: 10

Um comentário:

No! disse...

Anneeeim, vc assistiu sem mim! @_@